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Em 1973, Orson Welles lançou o filme
F for Fake - que foi traduzido para o francês como Vérités
et Mensonges, Verdades e Mentiras. O filme gira em torno da vida
de um célebre falsificador profissional de arte, o pintor
húngaro Elmyr de Hory. A partir desse célebre falsificador,
Welles questiona onde está a verdade, o quê é
afinal a autenticidade enquanto valor da obra de arte.
O quê é a verdade? O quê é a autenticidade
na arte? Existe, de fato, uma obra de arte "verdadeira"?
O filme provoca uma sensação de profundo questionamento
em relação àquilo que acreditamos como "real",
particularmente no mundo da arte.
Quando eu era criança, a figura de Orson Welles era muito
presente em minha casa. Naturalmente, Orson Welles nunca esteve
lá, mas o meu pai fazia cinema amador e tinha uma grande
admiração por ele.
Orson Welles e Howard Hughes eram dois dos personagens, com Charlie
Chaplin, cujas imagens, textos e filmes estavam muito presentes
em casa, entre outros.
Lembro-me de quando Orson Welles lançou F for Fake em
1973. Eu tinha dezesseis anos de idade. Foi o penúltimo
filme concluído por ele.
Um ano depois acontecia a Revolução dos Cravos
em Portugal, e eu estava em Lisboa nessa época. Vivi aquela
revolução como se fosse um arqueólogo do
tempo presente. Caminhava pelas ruas, observava as pessoas. O
clima geral era de paz e amor, com uma palavra-chave eletrizante:
liberdade!
Havia uma verdadeira euforia em torno da ideia da liberdade.
Algo que seria muito comentado nos anos seguintes mas que surpreendentemente
cairia no esquecimento, é que naquele momento da Revolução
Portuguesa pela liberdade muitos países viviam pesadas
ditaduras, e que após a Revolução dos Cravos,
um a um, muitos deles foram se tornando democracias - como se,
de alguma forma, tivessem sido "contaminados" pelo
amor à liberdade que era celebrado em Portugal.
Dessa forma, depois daquela revolução, vários
países se tornariam democracias, como a Etiópia
naquele mesmo ano de 1974, a Espanha no ano seguinte, o Perú
em 1980, a Argentina em 1983, o Brasil em 1985, o Chile em 1988
ou a África do Sul com o genial Nelson Mandela em 1988.
É curioso questionarmos por quê essa ideia caiu
no esquecimento.
Cerca de cinquenta anos mais tarde, no início do século
XXI, o planeta pareceu mudar de rumo. Houve quem passasse a conspirar
pela implantação de um governo mundial, totalitário
e tecnológico - um momento em que a liberdade passou a
ser considerada por vários filósofos e ideólogos
do poder como algo sem valor, sem importância histórica,
como algo não essencial!
O poder absoluto, não importa a sua natureza, é
radicalemente oposto à liberdade - e aspira sempre à
sua própria perpetuação.
Quem me conhece sabe com clareza que toda a minha vida foi dedicada
à liberdade, contra qualquer tipo de ditadura.
As partituras musicais virtuais, o estabelecimento de "armadilhas
lógicas", a arte como crítica da cultura no
seu modo de operar, tudo no meu trabalho sempre esteve dedicado
à descoberta, à iluminação, ao auto-conhecimento,
fundamentos essenciais da liberdade.
Apenas aprendemos e amamos com a diversidade. A sua negação
é o narciso, o fechamento em si mesmo.
Mas, ao longo dos anos, criamos um monstro tecnológico
na forma de um voraz Leviatã cujos tentáculos burocráticos
ameaçam seriamente a liberdade de todos. Trata-se de um
organismo monstruoso que opera declaradamente (ou quase) em benefício
de regimes ditatoriais e totalitários - sejam de natureza
ideológica ou religiosa - em nome de um suposto bem de
todos!
A única forma de vencer esse monstro é cada pessoa
participar na mudança, cultivando-se; não votando
em políticos que de alguma forma, direta ou indireta,
beneficiem esse monstro, ou que não lutem contra ele;
não comprando produtos que tenham sido produzidos por
ditaduras ou regimes totalitários; manifestando pacificamente
as nossas ideias, defendendo a liberdade de expressão,
de pensamento e as liberdades individuais; evitando usar tecnologia
que signifique a vigilância das pessoas, potenciais restrições
à liberdade e assim por diante.
Muito curiosamente, no início do século XXI pessoas
de alguns países passaram a relacionar a liberdade às
ditaduras! Trata-se de um total absurdo, de uma mais que evidente
contradição!
Para além de ser pública e abertamente condenada
por regimes ditatoriais, a palavra "liberdade" pareceu
ter sido transformada em elemento de política partidária
em alguns países, paradoxalmente como se se tratasse de
algo contra as pessoas!
Esse fenômeno é mundial, não está
presente apenas num único país.
Assim, em momento algum falo de qualquer país em particular
- o que nos revela uma realidade ainda mais impressionante.
Tem-se a clara noção de que uma boa parte das pessoas
não sabe, realmente, o quê é a liberdade.
Liberdade não é destruir coisas, roubar ou matar
- liberdade é termos a capacidade de determinar os limites
das nossas ações, cada um de nós, de forma
que surja e se consolide como princípio geral o antigo
ditado: a minha liberdade vai até onde começa a
do outro.
Se algum dia, alguém lhe disser que a liberdade não
é importante, atenção, seguramente estará
falando da sua liberdade e não da dele!
Em 2021 dei início a um grande projeto, de caráter
multidimensional - envolvendo diferentes dimensões de
várias disciplinas - que chamei de L de Liberdade, lembrando
o penúltimo filme concluído por Orson Welles, como
um desafio ao pensamento, à reflexão sobre a liberdade.
Esse projeto é composto por concertos, filmes, conferências,
livros, fotografias e assim por diante. É um projeto muito
grande, que absorveu vários meses de trabalho.
Como parte desse grande trabalho - e primeira peça colocada
em público - em fevereiro de 2022 fiz a première
mundial de um concerto musical e um filme experimental, ambos
com o mesmo título: L. Música e filme foram elaborados
de forma totalmente independente. A música foi composta
exclusivamente com os dados do meu mapa genético, o meu
próprio ADN, e os sons são todos artificiais. O
filme foi elaborado utilizando imagens de filmes experimentais
realizados cem anos antes, no início do século
XX.
Em maio de 2022 fiz a première mundial de 1000 Lights...
Universe! no Museu Joseph Beuys, em Itália, música
e filme dedicados a Lucrezia De Domizio, Baronesa Durini - também
como parte do grande projeto L de Liberdade.
Em junho de 2022, lancei o livro Liberdade - à venda na
Amazon em todo o mundo, mas também gratuitamente disponível
na plataforma da academia.edu
O livro Liberdade, na versão em papel ou em pdf, contou
com três edições independentes: em português,
em inglês e em italiano.
Esse livro descreve uma longa caminhada em torno da questão
da liberdade em termos mais filosóficos. Ele ilumina,
de alguma forma, muitas contradições e incongruências
que vivemos no dia a dia graças ao não entendimento
ou à manipulação do sentido da ideia de
liberdade.
Para além desses projetos, há um concerto para
solo de flauta transversal gravado no final de 2021 em Bolognano,
Itália, chamado Deo - Deus como sendo tudo. O longo solo
de flauta foi escrito utilizando operações matemáticas
estocásticas. Trata-se de um questionamento acerca dos
níveis de liberdades do próprio compositor. Creio
que esse questionamento é, de alguma forma, percebido
por quem ouve Deo.
Segue-se um livro sobre o fim da ideia de guerra - inspirado,
num certo sentido, na minha ópera Metanoia, realizada
no fabuloso mosteiro da Batalha, em 2018, como parte das celebrações
oficiais europeias pelo fim da Primeira Guerra Mundial em 1918.
Metanoia foi realizada no mosteiro da Batalha, construído
no século XIV, num estilo gótico flamejante, com
o objetivo de celebrar o fim da guerra de Aljubarrota com a Espanha
e como um pensamento voltado ao fim das guerras com aquele país.
De fato, nunca mais aconteceu qualquer guerra entre Espanha e
Portugal.
O livro é um desafio: qual é o sentido da guerra
no mundo do século XXI? Seremos capazes de colocar um
fim nisso? Ninguém faz qualquer coisa e cruzamos os braços?
A guerra, qualquer guerra, é o fim do humano!
Então, temos a edição do livro Caminhando,
com um ensaio fotográfico meu realizado ao longo de cinquenta
anos em todo o mundo. São trezentas e sessenta e cinco
fotografias de caminhos percorridos em cerca de cem cidades e
lugares do planeta, na Europa, nas Américas, no Médio
Oriente, na África, e no Extremo Oriente.
O livro Liberdade é uma grande caminhada, como uma reflexão
sobre diferentes abordagens da realidade feitas pelo Ocidente
e pelo Oriente. O ensaio fotográfico Caminhando - sempre
pensando em Thoreau - é uma espécie de reflexão
não verbal sobre essa questão.
Em maio de 2022 dei uma master class na Universidade de Faro
sobre a obsolescência dos chamados digital media: A Metamorfose
Humana. Aquela comunicação também faz parte
do projeto L de Liberdade.
Seguramente, também poderíamos considerar como
parte desse grande projeto multidimensional o Observatório
para o Futuro da Humanidade, em parceria com a cidade de Cascais,
Portugal, fundado no âmbito do Projeto HERA que foi criado
e é dirigido pela Marianela Mirpuri, querida amiga, e
o texto-manifesto O Pássaro da Liberdade publicado em
livro em 2019 no âmbito das atividades do Observatório.
Há ainda um poema enigma, SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS
- palíndrome chave do chamado Quadrado Sator cuja mais
antiga representação foi descoberta nas ruínas
de Pompéia. Aqui em três línguas, português,
inglês e italiano. Escrevi esse longo poema com um recurso
que produz uma transformação na dinâmica
neuronal do leitor, alterando e ampliando o universo de significações.
Criei essa técnica há cerca de quarenta anos e
tenho publicado muitas vezes textos literários com ela.
O primeiro livro publicado com essa técnica foi TAPAS
- A Impermanência das Coisas e das Ideias, Arquitetura
e Inconsciente, em 1984. Muitos se seguiram a ele.
Esse longo poema - SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS - foi elaborado
para uma publicação na Alemanha, dirigida por Christoph
Weigert. Mas, como por vezes acontece nas nossas vidas, a publicação
foi suspensa, não por Christoph, mas pela estrutura que
suportava o projeto. Imediatamente depois, recebi uma mensagem
da minha querida amiga Maria do Rosário Loures, poetisa
Portuguesa que vive em Nuremberga, Alemanha, desde 1987 e que
estava a coordenar uma edição especial de poesia
para o Projeto HERA - uma antologia planetária. Aí
foi publicado pela primeira vez SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS.
L de Liberdade é um grande projeto multidimensional.
Tudo isso me trás à mente um personagem que foi
uma importante referência para o meu pai, Charlie Chaplin,
nas suas últimas palavras no filme O Grande Ditador, quando
dizia: "Não quero governar ou conquistar ninguém.
Gostaria de ajudar todos - se possível - judeus, gentios
- negros - brancos. Todos nós queremos ajudar uns aos
outros. Os seres humanos são assim. Queremos viver pela
felicidade de cada um - não pela miséria do outro.
(...) O ódio das pessoas vai passar, e os ditadores vão
morrer, e o poder que eles tomaram do povo, vai voltar ao povo.
E enquanto as pessoas morrerem, a liberdade nunca perecerá".
Emanuel Dimas de Melo Pimenta, 2022
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