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marcos novak ................... transarquitecturas e o transmoderno
Dois: Porém, a virtualidade digital não se limita ao ciberespaço. Viabilizada pelo carácter ubíquo da informatização, implementada como um vernáculo electrónico de telefones celulares, fibras ópticas e satélites e dotada de técnicas e processos de produção que permitem atingir níveis sem precedentes na criação de forma e de matéria, o mundo virtual constitui um novo espírito do tempo que se manifesta em todos os domínios da nossa existência. Não apenas criámos um novo espaço público virtual para a arquitectura, como também alterámos o modo como habitamos o espaço real: todos os termos espaciais e temporais em que baseamos o nosso trabalho, as nossas actividades lúdicas, a nossa aprendizagem e a nossa vida se tornam cada vez mais inteligentes, não contíguos e não retinais e transferem a sua existência para um espaço-tempo curvo multi-dimensional não euclidiano de mediação electrónica, que se sobrepõe à nossa familiar realidade euclidiana.
Três: Paralelamente, também os modos como concebemos, antevemos, modelamos e construímos os edifícios reais sofreram alterações. O plano morreu. A representação foi temporalizada e operacionalizada como uma interface para simulações dinâmicas. O modelo informatizado tornou-se, tanto um meio de descrição, como um meio de instrução, na rápida elaboração de protótipos e na rápida construção robótica de formas complexas.
Estes três aspectos - novo espaço virtual, espaço-tempo físico inteligente radicalmente alterado e novos modos de concepção e de produção de formas de construção - deverão ser conjugados numa noção única e abrangente de arquitectura. No limiar do novo milénio, quando a informação e a matéria, o virtual e o real, o possível e o concreto se encontram cada vez mais entretecidos, necessitamos de fazer uma pausa e de articular novos projectos com novas arquitecturas: as transarquitecturas.
Do mesmo modo, a arquitectura do nosso tempo é, do ponto de vista informacional, de concepção algorítmica, capaz de gerar rapidamente protótipos e de produção robotizada. Trata-se de uma arquitectura inerentemente inteligente e interactiva, onde o espaço é atento e o tempo é inteligente, de uma arquitectura aberta à telepresença global e que só permite o isolamento através do acesso a sítios remotos.
Além disso, a arquitectura do nosso tempo é, ainda do ponto de vista informacional, de concepção algorítmica, de execução computorizada e habitada de uma forma interactiva. É, também, uma arquitectura de espaço virtual vigilante e de amostras de tempo astutas. Mais do que isso, o espaço virtual caracteriza-se por três características intrínsecas: a não-localização e a multiplicidade que lhe são inerentes (uma alteração fundamental de um ponto de vista fixo albertiniano para uma condição de presença interactiva) e a variabilidade radical das físicas electivas ou ficcionais.
Na virtualidade computacional, a disciplina fundamental envolve a substituição de todas as constantes por variáveis. Do ponto de vista topológico, o estudo destas relações (invariáveis perante transformações e deformações) é desafiado pela computação. Do encontro da computação e da topologia resulta uma nova entidade conceptual: a noção de "topologia variável". Esta aparente auto-contradição é resolvida a um nível mais elevado, um 'meta-'nível. À semelhança da arquitectura líquida e da vida artificial, a topologia variável constitui uma condição em que a invariância não assume uma forma, mas sim um princípio criador ou uma metaforma algorítmica. Discreta ou contínua, condicional ou estocástica, a topologia variável fornece caracterizações úteis do suave espaço deleuziano, sem exigir uma perda mortificadora da liberdade nómada.
A transarquitectura constitui uma forma de arquitectura plurifiliar e multi-tarefa que tece o informacional e o material, o virtual e o real, o possível e o concreto. Associado ao conceito de metamorfose, o prefixo "trans" reflecte uma condição de mudança que, embora desenvolvida a partir de uma base conhecida e familiar, se converte rapidamente numa entidade independente da mesma. A "transdisciplinaridade" difere da "interdisciplinaridade" ou da "multidisciplinaridade", na medida em transcende definições prévias, penetrando em áreas de investigação até aí desconhecidas. Embora a lúcida expressão "estereo-realidade" criada por Paul Virilio deixe bem claro o efeito estereoscópico da duplicação do real pelo virtual, penso que o termo "transreal" explica o carácter fundamentalmente estranho da realidade que emerge da estereópse e aponta directamente para o projecto globalizante do transmoderno.