Janus é um dos mais antigos deuses romanos. Dois rostos, opostos, um para a esquerda, outro para a direita. Lendas que estão ligadas à origem de Roma.

Uma das versões conta que Janus era um estrangeiro que tinha ido viver em Roma e que teria sido acolhido pelo rei Câmeses. Após a morte deste, reinara só. As duas faces opostas, passado e futuro, interior e exterior, ser ou não ser, indivíduo e multidão, em um mesmo deus que era então identificado com a completa honestidade, abundância, paz.

Janus teria sido o inventor dos barcos e do dinheiro, do transporte, da empresa - iterprnetação e empresa, curiosamente, possuem a mesma raiz etimológica. As mais antigas moedas romanas possuíam em um dos lados a imagem de Janus e no outro, a representação de um barco. Transformação, mutação, metamorfose. Teria sido Janus o responsável pela revolução Neolítica em alguns locais da península itálica.

Logo à entrada, há quatro monitores com imagens que, eventualmente, vão sendo sempre modificadas. O projecto Janus revela-se sob o signo do número quatro - que é, certamente, o quadro mais sensível em termos de equilíbrio. Quatro implica uma interessante simetria interna. Um de seus elementos isolados e o conjunto transforma-se em dois. Quatro é não predicação, não hierarquia, não hipotaxe. Assim, toda a relação lógica com o deus romano torna-se evidente pelo avêsso, pelo espelho, pelo vazio que une seus elementos.

Após as quatro imagens na entrada, encontra-se um sistema com quatro computadores onde as pessoas são convidadas a desenhar, escrever, pintar livremente. A caneta, sensível à pressão, ao tacto, passa verticalmente entre os monitores como se fossem um a continuação do outro. Assim, rapidamente, descobre-se que as imagem sobre as quais se desenha, se tranforma, são as mesmas da entrada. Mas, logo, descobrir-se-á ainda que há uma sala seguinte e nesta, nove telas de pano são distribuídas - todas projectadas em realidade virtual, oito estão relacionadas à uma trama invisível, construída com as medidas de seres humanos, mãos, braços, pernas, olhos, pés, corpos. Uma das telas é a medida da sala, o erro, espécie de "ponte" que liga esses dois "mundos", duas idéias plásticas, dimensões. Basta descobrir qual é o erro do sistema e revelar a ordem não verbal que está sob as telas.

Mas! Sobre essas mesmas telas são projectadas, em tempo real, as imagens que estão a ser criadas nos quatro computadores. A cultura da cidade, do país, do mundo - imagens de cada pessoa que conferem, superpostas, o desígnio plástico, não verbal, de uma sociedade. No meio das telas, indo até o fundo da sala, investigando cada pormenor daquele espaço, emerge um quadro crítico - não por conteúdos ou metáforas, mas feito de luz sólida.

Dentro dessa sala há ainda um concerto - oito colunas de som, quatro sistemas interactivos. Música que desenrola-se sem princípio nem fim, permutando-se indefinidamente - com uma repetição que só ocorrerá depois de centenas de anos. O enigma do contínuo feito de partículas discretas - a mudança sem mudança, o rio de Hieráclito. Música que é, em si, o próprio ambiente. Jogo-convite à permanente descoberta.

Depois, passando por quase toda a exposição, do outro lado, junto às escadas - uma parede com uma misteriosa projecção de imagens - aquilo que se vive na sala escura, as imagens superpostas, mais pessoas, o olhar distanciado. Janus.

O nome Janus foi escolhido somente depois de o trabalho estar concluído, mas pareceu-me evidente, correcto e simples.

Emanuel Dimas De Melo Pimenta

JANUS

Lisboa, 1997 .

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